AVC Criptogênico em Jovens
Quando o Forame Oval Patente Pode Ser o Culpado - Diagnóstico e Tratamento Especializado
CARDIOPATIA ESTRUTURAL: TRATAMENTO PERCUTÂNEO DE DEFEITOS CONGÊNITOS E PROBLEMAS VALVULARES
Dr. Luis A G Tamayo CRM SP 188085 RQE 90114 - 901141
6/13/20255 min read


O Mistério do AVC Sem Causa Aparente
O acidente vascular cerebral (AVC) em jovens sempre gera muitas dúvidas e preocupações. Quando acontece sem uma causa clara identificada, chamamos de AVC criptogênico. Esta situação, que representa entre 20 a 33% de todos os casos de AVC, pode estar relacionada a uma pequena abertura no coração chamada forame oval patente (FOP), presente em até 40% desses pacientes jovens (Silveira et al., 2020).
Se você ou um familiar recebeu o diagnóstico de AVC criptogênico, é fundamental entender esta condição e as opções de tratamento disponíveis. Este artigo foi elaborado para esclarecer suas principais dúvidas sobre o tema.
O Que É o AVC Criptogênico?
O AVC criptogênico é aquele em que, mesmo após uma investigação médica completa, não conseguimos identificar a causa exata do derrame. Isso não significa que não há causa, mas sim que ela não foi encontrada com os exames convencionais iniciais. Por isso, uma investigação mais aprofundada é essencial, especialmente em pacientes jovens.
Forame Oval Patente: A Porta de Entrada para Complicações
O forame oval é uma abertura natural no coração do bebê durante a gravidez, que normalmente se fecha após o nascimento. Em 25% da população adulta, essa abertura permanece aberta, caracterizando o forame oval patente (FOP). Embora geralmente seja uma condição benigna, pode tornar-se problemática em certas situações.
Como o FOP pode causar AVC?
O mecanismo principal é a embolização paradoxal. Quando um pequeno coágulo se forma no sistema venoso (nas veias), normalmente ele seria filtrado pelos pulmões. Porém, na presença do FOP, esse coágulo pode "pular" diretamente para o lado esquerdo do coração e ser bombeado para o cérebro, causando o AVC.
A Importância do Ecocardiograma Transesofágico
O ecocardiograma transesofágico (ETE) é considerado o exame padrão-ouro para diagnosticar o forame oval patente. Este exame é mais preciso que o ecocardiograma convencional porque:
Oferece imagens de alta definição do septo interatrial
Permite avaliar o tamanho e a anatomia do FOP
Identifica fatores de risco adicionais, como aneurisma do septo atrial
Avalia o grau de shunt (passagem de sangue) através do defeito
Por que o ETE é fundamental?
O ETE não apenas confirma a presença do FOP, mas também fornece informações cruciais sobre sua anatomia, que são essenciais para decidir se o fechamento do defeito é necessário e viável. Pacientes com FOP de "alto risco" - aqueles com shunt significativo e características anatômicas específicas - podem se beneficiar mais do tratamento intervencionista.
Quando Considerar o Fechamento do FOP?
A decisão de fechar o forame oval patente não é simples e deve ser individualizada. Baseando-se nas evidências científicas atuais e diretrizes internacionais, consideramos o fechamento em pacientes que apresentam:
Critérios de Seleção:
Idade entre 18-60 anos
AVC criptogênico confirmado
Investigação extensiva que exclui outras causas
FOP com características de alto risco (shunt significativo, aneurisma do septo atrial)
Ausência de contraindicações para o procedimento
Características Anatômicas Favoráveis:
Septo interatrial com bordas adequadas para ancoragem do dispositivo
Ausência de defeitos muito grandes ou complexos
Anatomia que permita posicionamento seguro do dispositivo
O Procedimento de Oclusão: Tecnologia e Precisão
O fechamento percutâneo do FOP é um procedimento minimamente invasivo realizado através de cateterismo cardíaco. A expertise do operador é fundamental para o sucesso e segurança do procedimento.
Como é Realizado:
Acesso vascular: Punção da veia femoral na virilha
Navegação: Cateteres especiais são guiados até o coração
Posicionamento: Dispositivo oclusor tipo "guarda-chuva" é posicionado no defeito
Liberação: Após confirmação do posicionamento adequado, o dispositivo é liberado
Tecnologia Avançada:
Dispositivos de última geração com materiais biocompatíveis
Guia por ecocardiograma transesofágico em tempo real
Sistemas de imagem de alta resolução
Monitorização contínua durante todo o procedimento
Controle de Riscos e Complicações
Embora seja um procedimento relativamente seguro quando realizado por especialistas experientes, existem riscos que devem ser considerados:
Complicações Potenciais:
Fibrilação atrial (arritmia cardíaca) - mais comum, geralmente transitória
Erosão cardíaca - muito rara, mas potencialmente grave
Embolização do dispositivo - rara com técnica adequada
Sangramento no local da punção
Controle de Riscos:
Seleção criteriosa de pacientes
Uso de dispositivos apropriados para cada anatomia
Monitorização rigorosa durante e após o procedimento
Seguimento especializado a longo prazo
A experiência do operador é crucial: Centros com maior volume de procedimentos apresentam menores taxas de complicações e melhores resultados a longo prazo.
Evidências Científicas e Diretrizes
As evidências atuais, baseadas em grandes estudos clínicos randomizados como CLOSURE I, RESPECT e CLOSE, demonstram que:
O fechamento do FOP reduz significativamente o risco de AVC recorrente em pacientes bem selecionados
A seleção adequada de pacientes é fundamental para o sucesso
O tratamento médico isolado pode ser suficiente em casos de baixo risco
Diretrizes Internacionais:
American Heart Association/American Stroke Association
European Society of Cardiology
Sociedade Brasileira de Cardiologia
Todas recomendam a discussão multidisciplinar entre cardiologista intervencionista e neurologista para definir a melhor estratégia de tratamento.
A Importância do Acompanhamento Especializado
O tratamento do AVC criptogênico associado ao FOP requer acompanhamento multidisciplinar envolvendo:
Equipe Especializada:
Cardiologista intervencionista especializado em cardiopatias estruturais
Neurologista vascular
Equipe de enfermagem especializada
Apoio de ecocardiografista experiente
Seguimento Pós-procedimento:
Monitorização cardíaca nas primeiras 24 horas
Ecocardiograma de controle
Avaliação neurológica seriada
Ajuste da medicação antiagregante/anticoagulante
Seguimento ambulatorial regular
Conclusão: Decisão Compartilhada e Cuidado Especializado
O AVC criptogênico em jovens associado ao forame oval patente representa um desafio diagnóstico e terapêutico que requer abordagem especializada e individualizada. A decisão pelo fechamento do FOP deve sempre ser tomada após discussão detalhada entre o paciente, família e equipe médica multidisciplinar.
Pontos-chave para lembrar:
Nem todo paciente com FOP e AVC necessita fechamento do defeito
A seleção adequada de pacientes é fundamental para o sucesso
O procedimento deve ser realizado por equipe experiente em centros especializados
O seguimento a longo prazo é essencial
Se você ou um familiar foi diagnosticado com AVC criptogênico, é fundamental conversar com um especialista em cardiologia intervencionista e cardiopatias estruturais para esclarecer todas as dúvidas e receber orientações personalizadas sobre as melhores opções de tratamento.
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